Representações da morte na infância e o processo de
elaboração do luto
Autora: Ludmilla Muniz Machado
Bowlby
(1984) partindo das observações de crianças muito pequenas à separação da mãe
identifica três etapas principais no processo natural de luto infantil, que
podem ser assim sintetizadas:
1)
Protesto:
quando a criança não acredita que a pessoa esteja morta e luta para
recuperá-la. A criança chora, se agita e busca avidamente qualquer imagem ou
som que possa anunciar a pessoa ausente;
2)
Desespero
e desorganização da personalidade: quando a criança começa a aceitar o fato de
que a pessoa amada realmente morreu, ou seja, o anseio de volta da pessoa não
diminui, mas a esperança de sua satisfação esmorece. Por fim, as insaciáveis e
barulhentas exigências cessam e a criança torna-se apática e retraída, embora,
isso não signifique que esqueceu a pessoa morta;
3)
Esperança:
quando a criança começa a buscar novas relações e a organizar a vida sem a
presença da pessoa morta.
Assistindo a obra
cinematográfica “A árvore” (2011), vemos a história um casal feliz com seus
quatro filhos, mas que sofre uma grande perda, a morte do pai. Cada membro
familiar reagirá de uma maneira diferente, em especial, Simone, uma menina de
oito anos, que era muito apegada ao pai e que estava com ele no momento de sua
morte. Simone deixa seu luto de lado e refugia-se na fantasia de que o espírito
de seu pai entrou na imensa árvore existente no jardim da casa.
Dawn, a mãe, nos primeiros meses após a
perda, entrega-se à sua dor. Vemos, neste momento, uma mulher bastante
devastada em seus sentimentos e sem volição para cuidar dos filhos, da casa e
seguir a vida. No entanto, aos poucos, até mesmo com
ajuda de Simone, a jovem viúva retomará seu equilíbrio
com um trabalho e, talvez, com um novo amor.
Ao fazermos correlações entre a teoria do
luto infantil de Bolwby e o processo de elaboração de luto vivido por Simone,
percebemos algumas características das fases por ele descritas. Identificamos
como a fase de protesto o momento em que Simone começa a ouvir a voz do pai vinda
da árvore. Podemos, assim, dizer que a menina vive uma negação da morte do pai
e que luta para recuperá-lo. Porém, seu processo natural de elaboração do luto
é prejudicado pelo reforço dado, por sua mãe, à esta fantasia,: “acho que
também ouço”. Segundo Bowlby (1985), a resolução do luto da criança quando da
perda de um dos pais vai, em muito, depender da ajuda do pai sobrevivente. Como
Dawn, em alguns momentos, também se mostra confusa, oscilando em apegar-se à
presença do marido, na figura da árvore, termina por prejudicar o processo de
luto da filha.
Torres (1999) afirma que para ajudar as
crianças no processo de luto, algumas medidas são importantes:
·
Promover
comunicação aberta e segura dentro da família;
·
Garantir
que terão o tempo necessário para elaborar o luto, e que terão um ouvinte
compreensivo toda vez que expressarem saudade, tristeza, culpa e raiva;
·
Assegurar-lhes
que continuarão tendo proteção.
Na família em questão, percebemos que as
medidas elencadas por Torres não foram tomadas. A comunicação intrafamiliar
ficou truncada, todos se isolaram e os filhos em alguns momentos rivalizaram.
Dawn, como já foi dito, fechou-se em sua dor, e não foi uma ouvinte compreensiva
para o sofrimento e angústia de seus filhos. Quando se fortalece um pouco mais,
Dawn busca a atenção dos filhos. Esta atitude, mesmo que tardia, foi importante
para reparar os estremecidos laços familiares.
Neste momento, mais um personagem entra
na trama. George é encanador e proprietário da loja em que Dawn trabalha. Os
dois terminam por se apaixonar, e vivem esse relacionamento junto à família.
Simone não aceita o namorado da mãe, simbolizando o romance como um desamor da
mãe ao pai. De acordo com Kovács (1992), quando a criança não consegue se
desidentificar, pode surgir o desejo ou a necessidade de se reunir com a pessoa
perdida, resultando, muitas vezes, em impulsos destrutivos. É o que acontece no
caso da menina, ela começa a arriscar-se na linha do trem, dormir ao relento na
árvore e subir no topo da árvore para evitar que esta seja derrubada.
A história, então, diminui seu ritmo.
Dawn rompe o relacionamento com George e voltando-se inteiramente aos cuidados
dos filhos, da casa e da árvore. Enquanto isso, as raízes e os galhos da enorme
figueira comprometem a estrutura da casa, adentram cômodos, inviabilizam encanamentos
e invadem o quintal dos vizinhos. Mesmo com tantas ameaças, a família se une
cada vez mais, entre si, com a casa e com a árvore.
Como fechamento desse ciclo, que mais
parece uma despedida compartilhada do pai, acontece a anunciada passagem de um
furacão. Todos se abrigam no porão da casa, exceto Simone. Dawn percebe a
ausência da menina e segue desesperada a procurá-la. Simone é encontrada em pé em
um galho da árvore, bem junto ao tronco. É uma cena emocionante e neste momento
podemos supor que a menina vivia a segunda fase descrita por Bowlby desespero e
desorganização. Inferimos que Simone começa aceitar que o pai realmente morreu,
e de certa forma despe-se dele. Lentamente desce da árvore e segue para abrigo
com a mãe.
A cena final mostra a família deixando a
casa que foi totalmente destruída pelo furacão. Seguindo um novo caminho Simone
pela primeira vez chora e parece encaminhar-se a terceira fase da elaboração do
luto. Fase em que irá surgir a esperança de buscar novas relações e de organizar
a vida sem a presença viva do pai.
Afirmamos que o filme “A árvore” foi
muito feliz quando se propôs a explorar a temática do processo de luto
infantil. Pudemos perceber em sua trama o sofrimento e a desagregação de uma
família travessada pela perda significativa de um de seus membros e o
desenvolvimento de várias formas de luto. Simone que inicialmente percorre um
caminho patológico, ao final, com a ajuda de sua mãe, consegue retomar o curso
natural na elaboração de seu luto. Concluímos que o luto está finalizado quando
as lembranças da pessoa perdida são internalizadas em paz, e os interesses
voltam-se as novas relações, é o entendemos ter acontecido com a menina.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
KOVÁCS,
Maria Júlia. Morte e Desenvolvimento
Humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.
TORRES,
W.C, A criança diante da morte –
desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
Sites acessados:
http://www.cinemanarede.com/2010/12/critica-arvore.html
http://www.interfilmes.com/filme_v1_24453_A.Arvore.html#Elenco
http://www.cinepop.com.br/criticas/arvore_101.htm
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